© R.X. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

20/06/04

OS DISTINGUIDOS

as panças enchem-se

enquanto os ventres

são esfaqueados

por mãos

que se mexem

como

sabres afiados

1988.10.09

ANARQUIA TOTALITÁRIA

escombros à vela
casas violadas
olhares políticos
mulheres reconstruídas
orfãos de vento
caveiras raptadas
olhares desgastados
fúrias religiosas
homens passados
discursos bombardeados
promessas deformadas
padres marinhos
votos enlouquecidos
cavaleiros sem nexo
moinhos excomungados
barcos de trigo
campos sem reino
concentração de gás
ódios exilados
câmaras intermináveis
guerras
questões santas
aborto
loucura
flores
ditadura
sexo
anarquia
padres de vento
mulheres à vela
homens de trigo

1989.07.23

AS (3) FASES DA LOUCURA

fala uma velha e solteira senhora
a uma boneca de porcelana
no tecto de um oríficio um raio de luz
ilumina-lhe o rosto fazendo-a chorar
defronte do espelho
com frieza a estática boneca reflete-se
o pássaro morreu a velha pintou-se e saiu
na cadeira de rodas a sua paralítica consciência ficou
a sua última representação é magnificiente
com requinte, divagando o passado e o presente
por entre lágrimas e um piano sem dó
vai-se emaranhando o novelo
de risos inconscientes, mais um corpo cobrindo
na loucura colectiva que se instalou no lixo
com as ratazanas mórbidas e diletantes
(o talento nunca se perde dizia o papá)
magnífico o espectáculo vai continuar
a velha a cantar e o piano a tocar
a caixa de bombons está vazia e o papá morreu
esforçou-se demasiado para sair da cama
pobre papá ninguém o ajudou
na sua queda de cadente estrela
solstício derradeiro de loucura
a vida atropelou-te velha maltrapilha
tu és a boneca de porcelana sem vida;
olhar frio e petrificado
ninguém te ouve só a aranha
que tece a teia em que repousarás
em paz com a tua boneca
ele odeia-te

1989.05.28

EX CORD

pupila piério, planisfério
dos meus tormentos,
quão forte é o teu rebento
cinceiro e ébrio

numa duna fui chorar
um rio de ódio submisso
com aromas de absinto
enquanto ablegava esta ablepsia
destilando profecias no baptisfério

a dor que não quero perdoar
é quem te quer possuir,
que eu não te quero
para te olhar a nudação,
enraivecido

colhe-me esta dor
em teu nubente corpo
limpa-me as lágrimas que derramo
em teus seios
meu olhar, por eles acorrentado,
e nos teus lábios nús,
as vertigens infiéis
do meu falar viajam

“nihil diu occultum!”

1989.02.16

ABRILADAS

são horas de madrugar a raiva
que brota, incessante,
queimando olhos dormentes,
alimentando velhas serpentes...
mais um cálice erguido,
do mais negro revestido,
por mãos decrépitas segurado
e, por homens descrentes adorado
pendurado na corda, o pescoço jaz,
profano e altivo no seu olhar


em mãos, ergo os negros véus
que cobrem as mães perdidas
no olhar dos filhos saltibancos,
nos mares da discórdia ajuizada;
frutos emergentes nos pomares
da última abrilada

1989.02.16

PEDAÇOS DE UM DESEJO

A cor das flores raras...;
Murmúrios localizados
Entre o abismo e o céu,
Como se olhásse-mos um deserto,
Quantos lhe tocarão?

A tua voz rebentou, vinda da cave.
Parece que gritas com o olhar.

(Oh! desejos...)

Os rostos que lapídamos
Com dores a desabrochar,
Resgatam-nos do abismo
Para um céu a chorar.
E ao despir-te, flor,
Derramo o sangue de um poeta,
Como sons de música “reggae”
Esvoaçando de uma alma tropical.

Ficou escuro à pouco.
Onde te escondeste?
Nas nuvens, à espera do ácido
Vento da saliva com desejos
Incapazes de rasgar bocas?

Só posso Ser só.

1989.02.12

DEVORAR O RESPEITO

caminho por veredas
de pés descalços
arrasto-me pelo tempo sideral,
fazendo sibilar a minha espada glaciar
forjo no vácuo do pensar, o mel
que me há-de matar; só para ver

cortei as veias
pelos rostos que manchei
cambaleando, meu barco adornei
nas chicotadas do levante

o pêndulo, à tôa,
faz-me deambular de esquina
em esquina
todos o querem matar
ele, a todos sorri
deixou a cidade coberta de flores
que bailam sem parar...

nestas veias, onde correm
rios gelados,
anseio a bebida agridoce
que atormentará meu corpo
quando em teu vazio me aconchegar

delírios dissonantes
em tuas mãos estrangulados
pura ilusão

1989.01.17

GRITOS DE SOLIDÃO

as derrocadas do silêncio
calam as tentativas dos falhados
e a oratória dos seus discursos,
minuciosamente detalhados,
quando falam dos problemas dos ursos

mas o meu corpo voa pelas cores,
além, num mundo para lá da ambição
voa pelas cores da redenção,
coloridas com o sangue do sacríficio;
único passaporte para o ouvir
quando ele diz:
“this is the end dear friend”
depois da longa viagem
tu também poderás participar
no grande concerto com Los Angels,
isto se o porteiro te deixar entrar
pelas “Doors” do paraíso

1990.02.24

MÁGOAS NAS ILHAS SOB-O-VENTO

quimicas sufocantes mágoas de uma miragem num reflexo
além dos montes, erguem, em mim, a paisagem para olhos
sem horizontes cloro em pedaços sonolentos, que ninguém
entende, oiço o meu nome no mistério dos dias cinzentos
fosgênio louco vento, pisando o anoitecer faz-me ver risos
dormentes, num êxtase que contenho dentro de mim, na
sombra são horas de crepúsculos dementes são ilhas a ondear
sob-o-vento, em volúpias de amor silencioso; sangrento perfume
de uma flor a ondear sob-o-vento, num mundo de cinzas
dormentes como a névoa feiticeira dos céus num país de chacais
químicas dos nervos tabun estrangulador... num jardim passado
sinto os odores do Zyklon-B; fumo soturno e arrastado que me
alucina com milhões de fantasmas mortos num só grito gás
mostarda, cianeto, hidrogênio, sarin letal... imagens que tombam,
cadênciadamente, no pacífico racíocinio mental para insectos em
penitência agente laranja, azul, branco doman?, naturalmente
inocente... secreta conversão física vinda no rasto, cadente, que há-de vir, sem um lamento, dos púlpitos fertilizadores em religiosos
protocolos, do convento lacrimogênio via-láctea; mãe-estrela;
voz(x) que quer ser um gesto que escondo da família V, VE e VX.
com os meus respeitos, e cumprimentos

1990.01.07

ROLLING STONES

as pedras rolam cadênciadamente

os dias fogem precipitadamente

as mulheres dançam loucamente

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

são danças alucinantes em noites

distantes que fazem as pedras rolar

nos dias que há para chorar

precipitadamente

tudo é nas horas sem tempo

1990.03.21

NA DOR DO TEMPO

ruínas
arruinados
ventos gelados
gritos de raiva
sou dores despedaçadas
sou...
e vós, quem sois?
párias, bajuladores da vida
traidores traídos
porquê essa cruz erguida?
porquê essa flor sepultada?

e vós, quem sois?
carrascos da vida
traições
a populaça agitada

e eu, quem sou?
sou ruínas
sou arruinados
sou ventos gelados
sou universo e populaça
na dor do tempo

1990.04.30

OLHOS...

brilhando na noite
de sombra voando alto
que vivem a dor
que consomem visões
ainda loucos
procurando o infinito na janela de um quarto
húmidos pela lágrima que brotou
secos pela lágrima que perdeu

1990.10.17

CAÇA ÀS RATAZANAS DOS ESGOTOS

os gritos dos genocídeos, são ecos errantes
e mudos que um homem criou para seu entretenimento
mas eu quero gritar contra e gritarei até à morte
do último ditador
as “peças teatrais” mudam, os “actores”, velhas
serpentes do deserto, são sempre os mesmos
agora que as paredes caem e as cortinas se recolhem,
vêem-se as cáries mentais deste homem decadente;
habitante dos países-pocilga
agora que os povos se revoltam,
agora que os povos se matam,
as ratazanas sentem-se constrangidas,
e o povo, sempre à deriva, acaricia-se com granadas
de fragmentação

1991.04.16

“QUATRO ÁLAMOS”

os cães e os ratos que te mordem quando
te levam à “Discoteca Sexy” ou,
à “Vila Grimaldi”, são humanos mas, tu
não aguentas o ritmo psicadélico, nem as
luzes da “Nadi” com que te obrigam a dizer
que não vês, e a calar o teu protesto anti-ditadura
o fuzil e o lamento, simulados, torturam-te
como uma droga, ou como uma violação sexual,
queimando o teu cérebro
as miragens sucedem-se pelas ruas da tua casa
mas, só podes caminhar em “Quatro Álamos”,
que é aquela rua fria e sombria, onde os
gritos não tem voz e as cartas, destinatário
dizem que desapareceste mas a tua família
nunca acreditou e vai esperar a verdade...,
“porque o sangue dos mortos
não se pode negociar!”

Em memória dos presos políticos e de consciência, mortos no Chile, e noutros países!

1991.03.07

DERRAME SEXUAL

a triste seda,
que em tua cama desliza,
recorda-me os momentos
que esqueci na tua ausência,
adúltera e egoísta
a triste seda,
onde derramamos tanto amor
e ódio,
esconde, em tua cama,
os corpos da minha ausência,
que aqueceste no adultério
com que me brindaste
em memória do teu passado
(-já pensaste no vazio do teu sexo?),
nas noites em que te vendeste
sem cobrar,
apenas pelo vício de um corpo
que não sente,
não vibra,
não ama
e que apenas pede, pede

1991.10.07

VISÕES

no céu de uma ilusão
pairam as dores
dos partos
das mulheres
dos cavaleiros fantasmas



no céu de um arco-íris
o mar em fúria
despedaça o ócio
que coloriu o genocídio
dos filhos bastardos
perfilhados pelo ódio


no meio de uma tempestade
os raios de luz-esposa
sucumbiram
entregues aos guerreiros
como despojos
submissos


no céu de um céu
vêem-se barcos naufragados
no transporte dos bastardos

1992.02.20

PARABÉNS PELO ANIVERSÁRIO

(sei que hoje não faz anos)

nos dias em que tento encontrar a chuva
encontro horas de vento,
os dias lentos
e crianças de incerto temperamento;
figurantes no grandioso filme
sobre a vida dos outros
é a nostalgia, dirão, e é talvez
por essa razão que o sol não brilha
nos quartos das putas
e dos que tremem à espera de
um cocktail incerto... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...,
nas nossas eternas noites de sexo,
de...,
natal,
secura,
doçura,
escravatura,
loucura,
festa no cemitério

para todos 3 vivas

1992.01.07

LEMBRA-TE DO RELÓGIO

(“O tempo é sempre um jogador atento.”C. Baudelaire)

há sempre uma noite incandescente, que te
ilumina na indecência da solidão
tu, vítima do desejo alado, vais numa
aventura pelos céus ébrios da inocência do culto,
segue em frente, segue o destino
sem pensar mecânico
sobrevive a máquina de cálculos renais,
não pensando que os rins são imaturos
e que estão sujeitos aos cálculos biliares,
como tu, aos segundos que preenchem o minuto
que as horas absorvem, tingindo espaços ténues,
macabros, cadavéricos e maravilhosos
é assim, como fazer amor à mão,
à luz de uma lamparina, em honra da senhora
do eterno desterro em terras de ninguém,
onde, o descanso nocturno é apenas um enigma
e os oásis não te lavam a poeira que nos teus olhos
deambula, como a cegueira dos cães da guerra
ainda virgens
lembra-te do relógio e de adão e eva

1993.06.10

O CRIME DE TER NASCIDO

as rosas choram e as lágrimas murmuram:
«-Onde estás?»
apenas tinha isto imaginado
e logo, nua, me apareceste,
denotando ares de ausência
aguada e enfadada; como se fosses
aquela aguarela que eu desejei pintar,
sentir,
tocar,
violar e depois possuir na eternidade
não me percebeste
não me tocaste
não me cheiraste
não te conheci, ainda

voam os sonos meus,
rodeando-te Anfisbena,
enquanto procuro o teu Angel
ensombrado, que paira, algures,
no locutório que te anestia

bebes zurrapa
comes zosteras
e a sofomania zaranza-te
a génese real

1993.06.30

T.V. ALIMENTO

sombras de morte
anunciam mais um rapto
enquanto os écrans de tv
alimentam as preces
do capitalismo incandescente;
como a lava do vulcão
eles são aos milhares
tombam, mortos, às mãos
impiedosas da ambição,
e o seu único crime foi
terem nascido
matem-me também!

os diamantes-sonífero
jazem, adormecidos, nas bermas
dos países tórridos
e os homens morrem na guerra
e os homens morrem de fome
e os homens também são crianças
e mulheres, e também morrem anónimos

1993.07.01

A CIDADE PROÍBIDA

nas ruínas da cidade proíbida por ti esperei
pedras voltaram a cair e tu não estavas lá
o medo talvez te tivesse feito recusar o ingénuo convite
esqueci-me na tua ausência e embrenhei-me
por aquelas ruas malditas
em todo o lado surgiam recordações de uma
vida exuberante que o tempo e o passado
teimavam em asfixiar
deti-me por momentos junto a uma
pequena e esventrada janela;
vidros partidos e bocados de madeira
estendidos para a rua, à caridade
toquei-lhes levemente
senti um choque
e uma lembrança surgiu numa erecta tensão;
erecto dilema da humana fraqueza
aproximei-me um pouco, procurando um feminino
nú que absorvesse, da erecta tensão, as alturas
do desejo, tranformado, violentamente, em paranóia
desisti da ideia de me saciar, ali,
numa esventrada janela que apenas me masturbava a imaginação
e na imensidão da cidade proíbida penetrei
à frente do meu trémulo e último passo
vejo a tentação cair em forma de soutien: nº quarenta e 2
ele ali estava, negro e rendado, apontando para o finito
segui-o com o olhar talvez a esperança de
encontrar a essência que o possuiu até então
por momentos quis ser um soutien nº 42, preto e rendado
fui interrompido neste devaneio quando,
descendo como um páraquedas, umas cuecas
pretas e rendadas seduziram o horizonte libidinoso
que o meu olhar prescrutava
deixei de ter vontade de ser roupa interior feminina
e apenas queria possuir a mulher que ousou,
nas ruínas da cidade proíbida, seduzir-me
possui-mo-nos...

1993.12.23

17/06/04

UM POEMA DIFERENTE E IGUAL A TANTOS OUTROS

nas colinas de denso nevoeiro, quando o céu está mais cinzento e o sol nos diz: “Boa noite, meus anjinhos.”, eu medito na terapia da felicidade e embrenho-me no prazer da masturbação. mas continuo com vontade de desistir, assim, sem mais nem menos. não, ainda não é loucura. o desejo ainda me faz recordar e ansiar por momentos de beleza e prazer. mas que raio, não consigo esquecer que me fodem a torto e a direito alegando a sagrada constituição nacional. cada dia que passa é um evento anormal; faça-se a vontade da personalidade, porque a paranóia ficou em casa, a dormir, e eu quero escrever um poema. apenas um poema. mesmo que não seja poesia escrita com métrica ou algo preconceituoso...um martelo, por exemplo, pode ser uma dor de cabeça ou instrumento de morte dolorosa num crâneo esmagado. mas morrer, lentamente, como um demente enterrado na merda, com aromas exóticos de conversa disfarçada, é obra, sim, é obra de homens não de deuses. é obra de homens e mulheres cornudos, que se enfeitam mútuamente, com cornos luzindo no luar da sua bestialidade, atacando aqui e ali, fodendo a torto e a direito porque tem uma mente em S e uma sanidade mental de desconfiar, enfiada, constantemente, pelo cú acima das convenções internacionais, quanto mais as nacionais. as que, pela pátria vendemos em saldos desgovernados, ao sabor de uma representação teatral, amadora e endiabrada. soa mal, cheira mal e não alimenta quem tem fome. fome de vida; fome de respeito; fome de tudo e de morte natural. viva a loucura que fez com que a vontade de escrever escrevesse o que apenas escrevi!

1994.03.05

QUANDO ESTOU ASSIM

parti na madrugada cinzenta para procurar
a minha razão que dizem ser violenta,
pacífica em momentos de solidão
cheguei a um lugar distante, tão longe do
meu passado e senti por um instante
que algo tinha mudado

não sei falar demagogia escrevo apenas
o que sinto e não podem dizer que minto
quando vejo tanto horror
por momentos foi o paraíso, antes de clarear
o dia, e no meu perfeito juízo
vi que a dor ainda me seguia

a dúvida de estar embriagado acalmou-me por
um momento e a quem chamam criado
fui pedir algum alento
mas é em momentos de dor que nos
sentimos mais humanos
pensamos morrer por pecarmos
e despedimo-nos de todos com amor

obrigado por estarem comigo no meu
leito de morte
quero dizer-vos quanta sorte
eu que pensava não ter um amigo
felizmente não morri como pensei
e de novo à vida voltei
voltei a pecar e a matar contra quem me
quis amar

mas a vida, assim, é-a de verdade
se estou bem não há sofrimento
primeiro trato do meu sustento
depois, para os outros é só maldade.

1994.02.25 e 26

NO SILÊNCIO DA MADRUGADA

Lisboa; caixotes de fósforos humanos
que se consomem, rápidamente,
sem nunca serem uma verdadeira
chama.

1994.02.05

O.P.O.*

querem-me amordaçado
talvez o ideal fosse morrer, deixando livre
o caminho para a celebração da estupidez
não quero os galões de mártir
também não possuo características de
devoto e de imaculado
gosto muito de sentir as mamas, o cheiro
e a paixão ardente de uma mulher embriagada
pelo desejo; porque eu estou pronto a acasalar
querem-me enlouquecido
talvez o ideal fosse morrer, deixando perpetuado
o meu dilema, que me traria a posteridade mítica
mas vou enlouquecer lúcidamente, ou melhor,
desenlouquecer loucamente e perpetuar,
no firmamento, com sangue e sémen, o meu caos
privado tornado público por uma lei orgânica
quereis pagar-me para ver o meu sexo? acho
melhor vendê-lo pelo preço que me custou: por amor

* oferta pública de orgãos, em breve numa bolsa perto de si

1994.10.03

A VIDA É...

uma história viva de sonhos desfeitos
na noite, quando as promessas são muitas
e as mentes divagam pelo éter.
as tentações obscuras que nos seduzem
e embalam à custa dos tormentos da redenção;
como se fossemos inferiores,
são orgias que se sucedem, patrocinadas por
empresas anónimas sedentas de lucros badalados

noite escura, chora por mim
com ternura
noite escura, olha por mim
com doçura
olha por mim nesta loucura

A VIDA É...

uma loucura incerta que paira sobre nós
como uma maldição eterna que
alguém proferiu num passado distante,
quando ainda éramos mera poeira cósmica.
a dor que nos mata quando não queremos viver; tão meiga e doce que nos hipnotizou
definitivamente, penso eu,
e quando ela começa a chatear demais,
pegamos no comando da tv e seleccionamos
outra dor para nos moer a paciência.

A VIDA É...

foder a torto e a direito, porque o que vem
à rede é sempre um petisco
de comer e chorar por mais.
é um mar de rosas, perfumado,
que nos lava e perfuma os tomates...,
e a tia dos biscates.
é correr atrás da sombra, porque o corpo ficou em casa a descansar e a comer entalados,
perdão, enlatados televisivos em promoção
com muitos prémios de sensação.
nada.

1994.01.16

QUEM PENSA, AINDA?

a norte do meu pensamento, vive a minha essência
a sul, a minha esperança meditabunda
no centro de tudo, está o meu corpo decalcado
e eu apenas pairo, algures, numa ideia humana
pensar, é um acto cada vez mais restrito
os pobres não pensam há já muito tempo,
desde que são pobres
os ricos, porque pensam que pensam, na verdade
nunca pensaram; o dinheiro adormeceu-lhes
os sentidos
os que foram pobres, outrora, e que agora
pertencem ao clã dos novos-ricos, nem sequer
tem pensamento
os que deixaram de ser ricos, sendo agora pobres,
limitam-se a chorar, indolentemente, à caridade
quem pensa, afinal?
quem luta, ainda?
mentes organizadas, não pensam
mentes politizadas, não pensam
mentes militarizadas, não pensam
mentes religiozadas, não pensam
mentes radiografadas, não pensam
mentes padronizadas, não pensam
quem pensa, afinal?
os mortos!, sim, os mortos porque o corpo
está morto: são os livres-pensadores.

1994.03.20

INCERTEZAS ALUGADAS

a teus pés, de luz e cor,
onde me curo com esmolas
de maus tratos e venturas,
maus sonhos, ainda dormentes,
aquecem-me no verão e no inverno,
envoltos em negras carícias,
gozando a liberdade do fracasso

ao medo e à infâmia
quis arrancar um segredo
sem espaço nem tempo
e o repouso, que nos afronta
com memórias tendenciosas,
esmagou-se, então, no degredo
que cinge hediondas teias
intemporais e atrozes

és fiél?, és fiél? és cruél!
és um anjo que anda
no lamaçal nojento do céu
moves-te nas ruínas do desvario
que não é quente nem frio,
é como um alento
alugado a um pobre calafrio

1994.03.05

CELEBRAÇÃO DE UMA ANGÚSTIA

um cálice na mão esquerda
na direita, uma espada sublime
guerra
paz
loucuras fugazes
que nos matam, lentamente,
como se nos asfixiassemos

o ódio parece alimento
o sexo parece tormento
a amizade é o que se vê
e viva a têvê que se lê
e viva o governo que nos ouve
e viva o povo que se une

pretensa poesia, esta,
que não sabe métrica,
que não é formal,
tão pouco clássica,
muito menos erudita,
apenas sangue de um derrame
mental,
apenas ódio que corrói
a alma de um anjo
que perdeu as asas

o! liberdade,
tu é que me aprisionas
sou prisioneiro da vontade
do querer

1994.10.02

VAGABUNDO DO INFINITO

tanto ódio quando acordo
já nem sinto a bondade
onde estás, felicidade,
sem ser de prévio acordo?

meu pai, onde falhaste?
não sabes, estás desorientado,
pensas que és um falhado
e voltaste a beber

minha mãe, o que se passou?
não me sabes responder?
pensas que o mundo acabou
quando em teus olhos eu fui beber

talvez seja auto-destruição
mas é do fundo do coração
que eu procuro a verdade
através da Liberdade

mas não posso, ai! de mim,
abraçar-te ó doce loucura
amanhã, o que seria de mim
ocultado em tua formosura

antes ser infinito vagabundo
nas garrafas, onde me aqueço
no sonolento e doce mundo,
no lento fogo onde me esqueço

1994.02.26

ANGÚSTIA COMPUTORIZADA EM TIMOR-LESTE

começaram a chover noites no meu quarto
cor-de-água pálida vestiam as suas paredes
enquanto a minha pele, doirada, envelhecia
doendo marés de angústia computorizada
bebi, de um trago, um pouco mais de medo;
amargo no seu travo, puro na sua razão,
lento na sua agonia, debruada a sangue
acordei cedo pela tarde
a chuva chorava por mim
decidi mudar de quarto e voltar a dormir
dormir na tua ausência
dormir
dormir com a Inocência
bebi mais um trago daquela bebida, de uma
garrafa vazia cor-de-água rosada
que tu me ofereçeste por te abraçar o sexo
durante a tua última menstruação em Timor-Leste...
e tantas vezes mais, como tantos os lugares do
mundo onde nos encontramos pecaminosamente
agora, quando o dia começa a clarear,
a chuva de noites, que humedeceu o meu quarto,
transforma-se num viscoso líquido, ainda mais
tenebroso; quase cor-de-vinho, quase cor-de-morte,
quase..., quase um orgasmo esquecido nas mãos de
uma criança que não teve tempo de o ser...
nunca mais

1994.02.05

A IDADE DA PEDRA

pedra, do muro construído em dias-silêncio,
quero-te da cor dos meus desejos mais íntimos e
revestida de tentações que nos ilibem do passado;
quase lembrado por não inquietar o presente

procuro-te para cabeceira deste mundo,
destruído com raiva, após a noite

por não querer fechar-me só
quero-te em áusteros tons de vida e
de momentos que preencham esta dor

mas não te encontrei, preciosa pedra
continuas ausente e meu mundo-lamento
a ruir

não vacilarão estas palavras que escrevo
no vento do caos da idade nova
as outras, vendo-as pela melhor oferta

94.04.20

CERVEJA MEDIEVAL

as máscaras que me olham,
penduradas no tempo,
são amargas como dores
precoces
e amadas pelos cavaleiros
da cerveja medieval

por todo o lado vêem-se
olhares..., indiscretos?,
talvez, mas chamam-me
para os acompanhar
na grande corrida
pelas estradas do prazer
e da loucura momentânea,
despejada num copo de cerveja

1995.10.31

ESCRAVO LIVRE

há uma profunda dor,
tão dentro, que derrama
lágrimas de puro sangue
e, ora me faz acreditar,
ora me faz chorar
talvez mantenha viva
esta vontade insatisfeita
de não querer lutar...
tudo se passa em pouco espaço,
quase dentro do horizonte
onde diluo, constantemente,
os prazeres do desejo
ao alcance de um olhar
nunca expectante,
nunca actuante
mera condição de homem-livre
ou de um servo-livre

1995.03.27

COISA E TAL

vida...
é um pouco de tudo
e um pouco de nada
qualquer coisa como um momento
qualquer coisa ausente
de que sentimos a falta
sem conseguirmos sentir como sendo
porventura momentos precoces
momentos posteriores
membros de um corpo que nada sente
e que nada sendo tudo quer ser
imaginação/desejo/poder/enigma
coisas até onde o impossível alcança
e o alcance nos cansa
com as suas dissertações poéticas
abstractas/ingratas/estáticas

vida...
é-o por um fio
quando amanhecer é violência
ferindo o olhar indelicado
que sem querer se tornou audaz
e viu... (o quê?, o que é que viu?)
apenas outros olhares dispersos por aí
deriva/procura/loucura/doçura
e a tortura que não soube ser fiél
a quem tanto a amou
derramando lágrimas como orgasmos
ansiosos de querer fertilizar
a terra dos eunucos;
assim chamados e proclamados

1995.09.30

O CORO DESAFINADO

ó infinita vida que danças comigo
ó infinita sorte que danças para mim
já não será tempo de me abraçarem,
e ao mundo?
as escadas da noite; medo e ódio,
querem abraçar-me
com suas enluvadas mãos,
para mais tarde, na triste glória,
chafurdarem como nem os porcos...
ai!, quem dera não acreditar
que existem coisas assim,
não teria ilusões por soluções
ai!, quem dera ter olhos
para não ver o que vejo,
para não precisar de um espelho
todas as poeirentas manhãs
em que oiço o coro dos meus egoísmos
chorando aos pés da minha cama,
embalando o meu agoniado sono e
beijando o amor que me fez

95.12.26

O VIOLINO

degrado-me nos teus sentidos
após noites a fuga é constante
victíma das circunstâncias
homem de um leme desgovernado
à procura dele vou-me perdendo
um pouco ali e acolá
como se tivesse perdido a vida
e a procurasse em vão
na tardia morte que me não sacia
e aonde eu quero não me leva

mulher que desconheço,
onde vive o teu pensamento?
quero segui-lo e não sei
qual a direcção que me afasta

degradei-me aos poucos
sinto o quanto arrisquei
nada valerá a vontade
se perdido estou e me sinto
quebrou-se, dia-a-dia,
a minha louca ansiedade

1995.06.26

LUAR AZUL

(Blauw Maanlicht)

Olho-te...
Os teus lábios sabem a fogo
A tua boca dá-me sede
O teu olhar faz-me vibrar
Os teus cabelos chamam-me
Os tuas mamas acariciam-me
O teu corpo é o meu
E todo o prazer é nosso.

O tempo mudou e as horas
Não contam
Visto-me de luar
E deixo-me levar
Embalado por te amar
Ao sabor do amanhã
Que ainda ontem era hoje.

Mais um olhar que me mata
De saudade
Mais um olhar que me leva
A sonhar
E outro ainda que torna real
A tua presença
No reino do meu desejo
Na ansiedade do tocar
Querendo seduzir-te no leito da
Eternidade

Infinitamente serei teu
E as estrelas sabem-no
Tal é o brilho deste desespero.

1995.08.09

QUERO APANHAR O AUTOCARRO PARA TI

Quero Apanhar o Autocarro para Ti



Sempre que a razão se prende com devaneios,
Subsiste uma triste melodia;
Quase tão triste como quem a possui
No seu íntimo.
E esta viagem, aparentemente
Sem rumo algum,
Conduziu-me ao que há tanto procurava.
Não terminou, ainda, a viagem.
Mil e uma paragens terá nos oásis e nos desertos,
Onde, porventura, a sua sede saciará,
Com profunda devoção
Pelo amor que conhece;
Solitáriamente fiél e
Consubstanciado em sémen
No seu doce e terno leito

1995.12.25

BEIJOS, ETC.

Tu que vives num estado depressivo
ainda não encontraste um mau olhado
que te tornasse obssessivo
Não fizeste, da vida, algo de inteligível,
tão pouco um oceano de mar vestido;como um decano
O sabor da morte, que chora, que ri,
que espera por ti como a sorte que
irás, um dia, beijar ternamente
Tu não consegues ser simpático
e finges não ouvir os olhares
que te despem na praça pública
És um tanto ou quanto maquiavélico mas,
não sabes viver de dia, como os outros
que tem a certeza
Por isso, não deixes que te vistam a roupa
de um aristocrata mendigo; como se fosses real
na tua agonia trivial
Beija-me com carinho
Beija-me na outra face;
a do teu destino

1996.11.20

AS MINHAS CINZAS AZUL E BRANCO

A vida é, agora, um eterno exílio a que fui forçado
pelo nascimento

Nada mais me parece tão horrível como o constante
desejo de não sucumbir à finitude aristocrático-ambulante;
coisas que divagam, por aí, como seres sem sentido/noção
Perdido, e solidário, numa razão que existe no não existir,
só porque a vida tem um fim que ninguém deseja,
mesmo agora

Há muito que parti, buscando a ténue alegria
que purificaria uma sentida razão existencial
Para além disso, apenas uma certeza:
‘-quem me faz morrer?’, sei-o e, lamento-o profundamente
Mas, não é remédio eficaz, apenas mais uma acha
na fogueira existencial; as minhas cinzas vermelho
e verde

1996.11.09

LIBERDADE PARA O MEDO

Águas que estalam sem sentido;
molham-nos com gotas de suor,
seduzindo corpos brutos,
simbioticamente,
fazendo-nos sentir
o medo da libertação
num estalar de dedos
ou, num fechar de olhos
para a vida
E há monstros de papel
enrolados no vento;
como bandeiras sem destino
num hino precoce de atrocidades

E há momentos de veludo
enredados em corpos nus;
como armas de defesa
numa orgia de vaidades
E não haverá mais nada;
nem enrolado
ou enredado
como coisas
num sentido sem sentido

E a liberdade para o medo
jaz, ilusoriamente,
em rasgos de sobriedade
alicerçados no último andar
de um prédio em construção

1996.11.10

ESTRANHA SAUDADE

Eu desejo dormir como um bebé;
pelo menos uma vez mais
antes de partir

Quero ver o sol nascer
e sentir que não vivi em vão;
o desespero de sentir
uma fúria descomunal,
contra mim, a vê-los, por aí,
como imagens-modelo,
como regras sem excepção

Apenas desejo ter a liberdade,
a bondade e
a ingenuidade
de um bebé
e, dormir, assim, aconchegado
à vida

1996.11.01

QUAL É O PROBLEMA MEU?

Tombam homens nas “passereles”-modelo
Os aplausos são melancólicos
bocejos enquanto tudo é
foto-filmado e fodido-difundido
As ratas e os ratos já nem reagem;
acostumados às ratoeiras
Preferem embebedarem-se e
discutir, anonimamente,
as suas pontas de vista
e sorrirem, anonimamente,
para as revistas de actualidades lipo-aspiradas

E então?, what’s the problem, homem?

Dormindo, como um anjo, vou sonhando
Tudo é diferente de nada
e vivem-se momentos de uma
angustiante promiscuidade de igualdades;
como se um preto e uma branca
pudessem ter um filho cinzento
E então?, what’s the problem, homem?

1996.10.31

A NOÇÃO

Esta é uma sensação de desespero
que sobressai quando imerge
do fundo uma vírgula
e vive por aí
numa intenção de ser clara
No fundo, é apenas
uma boa intenção,
uma intenção de cavalheiro;
gigante e estúpido...

1996.10.19

AMANHÃ À NOITE

quando os dias se fecham
abrem-se noites inimagináveis

1996.09.04

O TEMPO JÁ NÃO MORA AQUI

Há lugares ausentes de mim,
dispersos nas vagas
do tempo...marítimo

1996.09.03

INSTINTOS A NÚ

A cadência de olhares dispersa-se
pelo corpo de uma mesma mulher,
que geme e grita pela violação
que a possui em vida, ao longo
da sua nudez; subornada e sem desejo
Não vale o seu corpo para além da
cobiça dos homem-orfãos, porque
estes nunca sentiram amor e ternura
maternas; só patéticas compreensões paternas
Mulher que me seduzes, guarda,
longe de mim, o teu desejo
Não serei capaz de o tornar mais belo
do que o meu próprio medo de ser,
infiélmente teu

Não cabe em mim mais desejo
tantas as mulheres que amo
É-me mais fácil amar-vos todas
do que me perder por uma...

1996.07.06

EXPERIÊNCIA SENSUAL

Deitado sobre o ódio-monóxido que
paira no asfalto das horas;
momentos-ternura do amanhã ou,
de quando o destino quiser, verifico
as horas que contam histórias sem fim
que ainda não foram contadas às
crianças-útero, que dormem destilando
ressacas de mar ou molhadas pelo desespero

Deitado sobre o ódio-certeza que paira
no asfalto dos séculos; momentos-loucura
do presente ou de quando o desejo quis,
quis verificar as sentenças que, foram
histórias com fim que ainda matam
ao serem contadas aos animais que
correm no céu, desafiando as leis da
gravidez ou secas pelo sal do ócio

Sim, em todos estes momentos
eu perdi alguns quilos
numa experiência sensual

1996.06.21

ESTAÇÃO DE SERVIÇO

almas de aço blindado guardam
rebanhos de parafusos e de “chips”
que, além dos movimentos constantes,
choram óleo negro de ferrugem
e cagam bocados inteiros deste planeta,
que por má digestão não podem
aproveitar, convenientemente
é-lhes mudado o óleo, pelas almas de aço,
todos os mil bocados ingeridos;
como prevenção para qualquer desvario
da máquina, se acometida por congestão
intra-consciência, colectiva ou individual

almas de aço blindado forjado adormeceram
os rebanhos de parafusos e resistências
que, além dos movimentos controlados,
ejaculavam óleo negro de motor a dois tempos
e cagavam bocados de tempo ocioso,
que por milagre podiam desperdiçar;
convenientemente ou não

1996.05.05

(DES)FIGURAÇÕES

desfigurei-te a mente
com o meu oxigénio libidinoso
ficaste em extâsia até morreres
num pensamento passado,
e quando acordaste já não
eras tu em mim; era eu em todos.
até amanhã.

1996.06.14

EXPRESSÕES

um olhar pode ser... belo

96.25 de Abril,

DECOTE CEREBRAL

a minha intimidade
cessou por instantes.

1996.04.20

INESTÉTICO SABOR A CAMOMILA

acabei de criar uma obra
d’arte, podem dizê-lo
vive da respiração, suspensa
por momentos, quase asfixiada,
quase afixada
a uma tabuleta de indicação
direcional:
Lisboa - 200 e tal km,
mais ou menos,
conforme a interioridade,
aliás,
conforme a intimidade...

já é quase dia
já brilha o sonho esteriótipado
e a indecência bate à porta,
isolada do contexto sobrenatural,
quase como uma divindade endividada
com entrada garantida na “disco in”;
sucesso imediato e corroborado
pelos falcatruas catedráticos,
não da Galiza mas de Portugal;
continental e insular,
com a devida pronúncia
característica
esta é a pronúncia do povo;
único germe da fecundação
não aparente e
aparentemente fecunda
vivam os bancos..., de esperma;
juros de valor incalculável,
insubstevimável valor adjunto
brevemente num perservativo perto de si

1996.05.28

SER MÃO

o pássaro voa pela força do olhar
e quando paira no sistema solar
fica, quase inerte, à espera de ser
claro dia depois do dia lunar

já quase não restam dúvidas
além da dúvida infinita
que, indecisa, paira
nos mares de cruzes erguidas
já quase não restam dúvidas

ousar, uma vez mais,
o olhar despir perante
a comedida assistência,
pasmada, de olhos fitos
no sexo erecto prestes
na precoce ejaculação
morram os cães da guerra, morram!

valem mais mil putas
do que todos os soldados
valem mais mil decepados
do que todos os políticos,
mesmo os que são decepados
vale mais um poeta morto
do que todos os vivos inertes
valem mais dois ociosos
do que mil físicos nucleares
valem mais os que nada valem
do que os que valem, conscientemente

1996.05.23

A ALMA DAS COISAS

ao ouvir-te,
som misterioso,
a lua geme e grita
e eu canto e danço
não és eterno
talvez infinito
e brilhas como a mentira
que trazes atada
ao teu infortúnio clássico;
uma gravata colorida

ao ouvir-te,
som misterioso,
o céu chora e grita
e eu como e bebo
não sabes a nada
talvez a mulher
e seduzes como elas
quando o clássico cio diário
soa como um apelo ao sexo,
e eu não o rejeito, nunca

ao ouvirem-me,
meus caros,
eu choro e morro de imediato,
porque dentro de vós
não consigo alcançar alimento
que me dê energia
então é assim;
eu rejeito-vos,
deixo de chorar e salvo-me
mas hà quem goste de pôr cornos

1996.05.08

O REGRESSO DA UTOPIA

rebento, dentro de mim,
numa cadência inquieta,
a vida que teima em permanecer
como uma ejaculação precoce
saio de dentro de mim,
numa cadência melancólica,
todos os dias importados
da misericórdia pagã,
que por não pagar impostos
me impõe uma rotina inconstante
fecho-me de dentro para fora,
atiro a chave ao rio
e nado, quase morto,
pela nudez ensurdecedora
dos corpos vazios
congelados a tempo
antes da chegada do verão

e como regressar do passado
pode ser um milagre,
vou esperar por ti,
naquela esquina do tempo,
algures entre anteontem
e depois de amanhã

1996.05.08

FELIZ CIDADE NEGADA

ó! manhãs destemperadas,
que me negais o claro dia,
nem por uma vez me ajudaste
quando vos procurei
no horizonte, que desfiando,
me tricotava uma camisa rendada
com borboletas metálicas

fui penetrando nesse azul,
infinito,
e querendo não sentir
a dor cortei-me mil vezes,
quase sem cessar,
até não conseguir aprender
o que faz a dor não sentir
o sentir que faz a dor

além-mundo,
onde me espera o momento,
voa o meu reflexo
tão baixo, quase rente
ao universo endividado,
quase rente à origem

96.05.02

DESTERRO

esta é a terra que escolhi
para nascer depois da vida

96.04.20

ALÉM-DO-MAR

já não dorme o monstro
que um dia se barricou
por entre brumas e paisagens
agora bebe verde branco
e fuma provisórios
a enrolar as ondas

96.04.20

LUSITANOS

com mil palavras não se diz
o quanto não diz a palavra

96.04.20

EXÍLIOS

este é o exílio do esquecimento
onde frequento com status
as púdicas tardes do templo,
que nada contempla além
do Rossio ou do Tejo
ou da política nacional

96.04.20

A DESCOBERTA

o amor é como um bébé:
completamente inocente no início,
ingénuo, depois, e que precisa
de tempo tempo para crescer
até se tornar adulto
o compromisso que deve de haver
no amor é o mesmo que passamos a ter
quando nos nasce um filho;
uma vida

1996.02.24

ANJO

(poema a solo)

nada existe
na criação humilde
mais uma vez,
quando imagino
que a identidade
cria o universo,
a força vai e vem
sem nunca se vir
mas, depois estranha
uma forma própria,
um segredo incontrolável
há, também, uma metamorfose
que vai lançando pedras
sem sequência ou forma;
uma linha em todas as origens

1996.07.06

POEMA AO DESCONHECIDO

nem a mim próprio
quero confessar
o medo que tenho n’alma
lentamente, apoderou-se
da minha vida,
governando-a
com a minha tirania
receio matar
receio morrer
receio em vão

1996.03.19

CONFUSÃO INGRATA

quase não há paz
e uma angústia desconfiada,
que corrói a alma, cansa o corpo
sensível aos tormentos do além
é o medo de olhar o espelho
e ver o reflexo-mensagem
que certamente não fará sorrir
eles, sobre as cabeças poêm as mãos;
como se quisessem controlar
o pensamento
eles, nos peitos poêm as mãos;
como se quisessem sentir
o coração dizer: sosseguem!
ter medo...

1996.03.07

AS CORDAS

do violoncelo, o tenebroso som
é mais forte e intenso
que o medo de não encontrar
uma única razão para viver
talvez não saibam,
há melodias do além
que sem cessar nos chamam
como se fossem mensageiras
de uma pavorosa desgraça
oiço-as e recordo tempos malditos,
sempre sedutores e sensuais,
que me inibiram momentos de vida
quase sem cessar
do violoncelo, as cordas ouvem-se
num tom monocórdico;
ora lentamente subindo,
ora de um lado para o outro voando;
uma insónia sempre presente
que me condiciona o espírito,
vulnerável,
para compreender a sua doce voz
oiço-o e sem cerimónias
penetra-me as veias,
percorre-me violentamente
até possuir desassossegadamente
todos os recantos mentais
depois, embala-me até à deriva;
prostrado e de olhar distante
completamente paralisado
não, não estou a falar de droga,
falo do som do violoncelo
oiçam-no

96.01.31

CANSADO DE ESTAR À SOMBRA

há sombras que me apetecem
outras, não prescindo delas
mas há aquelas que me não dão descanso
e eu canso-me delas
prefiro-as ao luar,
quase perto das cálidas manhãs,
quando no rocio matinal
lavo o meu rosto-lágrima
há, também, sombras para os olhos
ficam mais escuros
e atenuam a sua profundidade
e há aquelas sombras chinesas,
de pôr os olhos em bico,
vertendo emoções descalças
de qualquer imperfeição;
sensuais visões do imperfeito acidental
há sombras que me apetece
combater incessantemente
e que me fazem sentir herói
conquistando tesouros de gente
que não sente a dor que dói
quando por terra fazem tombar,
a vermelho,
anónimos guerreiros desarmados
mas está-se tão bem à sombra
que, outra, me não daria
tons tão apaixonados
há sombras que me apetecem

1996.01.30

A UMA NATUREZA QUASE....

se a natureza humana...

fosse mais pura
negasse o egoísmo
não negasse o próprio homem
fosse mais humana
desse ouvidos às melodias
não fosse tão dada à verbalização
olhasse mais para dentro
não tivesse sido capitalizada
amasse
não fosse escrava de si mesma
fosse mais natural
não tivesse sucumbido ao ódio
não permitisse reis e rainhas
não permitisse políticos
não fabricasse deuses
não estivesse adulterada
não estivesse viciada

eu e tu seriamos felizes!...
mas não seriamos humanos

1996.01.29

PERFUMES

Flor do deserto!,
Tu que cresces por aí,
Libertando pelo vento o teu perfume,
Vem perfumar o meu gélido banho
Tomado em noites de abstinência.
Sinto a tua falta quando bebo
Os meus “whiskies” glaciares
Ou quando, no vazio,
Lanço os meus olhares.
Flor do deserto,
Magníficas dores
Recordam-me de ti
Quando me recolho nos pensamentos
E, angústiado, degelo a minha sobriedade.
Flor do deserto, em ti, e por ti,
Vou morrendo de sede...
Flor do deserto, em tuas férteis planícies
Eu flori como nunca,
Continuando profundamente
Embriagado pelo teu aroma...

96.01.13

TOCAR-TE O CHEIRO

Desejo beijar-te corpo
Cor de leite.
Anseio o teu mel
Em meus lábios cor-de-fogo...,
Poder bebê-lo e saciar-me.
Quero sentir-te por dentro
E aconchegar a minha solidão.
Desejo tocar o teu cheiro
E com ele perfumar o meu instinto;
Ir mais fundo, dentro do teu olhar
E acordar suando,
Libertando as mágoas,
Chorando sorrisos,
Gritando...
Quero sentir-te por dentro
E aconchegar a minha saudade.
Como eu desejo desejar-te.
Quando chega a noite eu sonho
E navego por aí;
Por mares de solidão;
P’los ventos da recordação.
É então que a tempestade surge
E, abraçando-me loucamente,
Faz-me rodopiar em círculos:
Absorve toda a minha angústia;
Absorve toda a minha ansiedade;
Absorve todo o meu tempo
E eu fico mais sereno.
Quero sentir-te por dentro.

96.01.20

UM COPO DE NADA

Sei que te amo e nada mais.
Sei que te desejo e nada mais.
Sei que sem ti nada mais me interessa.
Sei que sei.
Que nada posso ser sem ti.
Que me resta ser?
Sim, diz-me tu que te amo.
O que é de mim sem ti?
Não sei, nem quero imaginar.
Poderei viver apenas mais um dia;
Será suficiente?
Não sei, diz-me tu que te amo.
Sei que te amo e nada mais.
Sei que te desejo e nada mais.
Sem que sem ti a minha vida é a morte.
Sei que o sei.
Que nada posso ser fora de ti.
Que me resta viver?
Sim, diz-me tu porque te amo.
O que será de mim sem ti?
O que será de ti sem mim,
Quando me sinto morrer?
Será suficiente?...

1996.06.10

UM COPO DE NADA

Sei que te amo e nada mais.
Sei que te desejo e nada mais.
Sei que sem ti nada mais me interessa.
Sei que sei.
Que nada posso ser sem ti.
Que me resta ser?
Sim, diz-me tu que te amo.
O que é de mim sem ti?
Não sei, nem quero imaginar.
Poderei viver apenas mais um dia;
Será suficiente?
Não sei, diz-me tu que te amo.
Sei que te amo e nada mais.
Sei que te desejo e nada mais.
Sem que sem ti a minha vida é a morte.
Sei que o sei.
Que nada posso ser fora de ti.
Que me resta viver?
Sim, diz-me tu porque te amo.
O que será de mim sem ti?
O que será de ti sem mim,
Quando me sinto morrer?
Será suficiente?...

1996.06.10

PRENÚNCIO DE VIDA?

A morte? Nunca a temi.
Só nela pensei quando te conheci.
E porque te amo,
Por por ti possuido,
Temo, agora, não a poder viver;
Sem ela sei que irás sofrer.
E eu, Oh! quanto sofrerei?
Mesmo além da vida
Sei que nunca me perdoarei
Por te amar se não viver.

1996.06.09

A MONTANHA

Aqui voa a liberdade:
A tua,
A minha,
A nossa;
A liberdade de amar
No infinito do azul-céu.

1996.05.29

TANTA DOR EM NÓS

Estou leve;
Tão leve quanto
O poder do nosso desejo.

1996.05.29

BREVES BEIJOS

Hoje senti a fortuna de ser
Por ti amado. Querido também.
Fui afogar-me em teu colo
Para ressucitar o desejo.

1996.05.29

AO SOM DO MAR E DO AMAR

Hoje viajei de mim para ti.
Quando cheguei a ti,
Entraste dentro de mim.
Fiquei, assim, prisioneiro
Por momentos, sendo maior
Até ser menor, dentro de ti.

1996.05.29

ENTRE PAREDES ROMA E AMSTERDÃO

Paira sobre nós um vento azul,
Que se alimenta de amor;
Quase sem querer,
Quase sem saber.

Paira sobre nós uma angústia,
Que se alimenta de raiva;
Quase sem consciência,
Quase dolorosamente.

E, agora que celebramos a ausência,
Quase metódica, quase lógica,
Vibramos nas cordas do tempo
Que guardamos, religiosamente,
Como as formigas quando somos
Somente libélulas e amantes.

Paira sobre nós um vento azul...

1996.04.16

QUANDO QUIS SER UMA TEMPESTADE

Quando acordo, à noite,
perto do amanhecer,
para ver o sol nascente,
sinto que nada é ser livre;
o quanto baste à escravidão.

97.03.23